Escalada Noturna no centro de São Paulo – 18/05/2023 – É Logo Ali
Nos últimos meses, no início da noite das quartas-feiras, um grupo diferente, carregando cordas, saquinhos de magnésio e mosquetões tem se reunido junto a uma longa parede que divide as ruas Quirino de Andrade e Xavier de Toledo, a poucos metros da estação Anhangabaú do metrô e do histórico largo da Memória, na região central de São Paulo. Ali, aos poucos, vai se consolidando uma área de treino básico de como subir pelas paredes, no que os participantes denominam “Escalada Urbana SP” —mas que também adota, debochadamente o apelido de MEU (Mictório Escalada Urbana)..
“Tudo começou com o pessoal que praticava parkour, que nos mostrou que ali havia um potencial”, conta Eric Mikami, 37, mais conhecido como Batata.
Parkour, para quem não conhece, é uma atividade inspirada nas técnicas de salvamento e fuga de emergências utilizadas por bombeiros, e consiste em pular rapidamente e em movimentos contínuos pelos obstáculos de determinado ambiente. Os obstáculos podem ser desde corrimões de uma escadaria até topos de edifícios —sempre sem o auxílio de quaisquer equipamentos de apoio, como cordas ou redes. Basicamente, o pesadelo de qualquer mãe.
“No final do ano passado, viemos conferir e vimos que era uma alternativa outdoor à parede de treino indoor existente no Sesc 24 de Maio, que frequentamos”, continua Batata. “Hoje reunimos escaladores de todos os perfis, desde iniciantes e curiosos até os mais experientes, de altas montanhas que só querem dar uma treinadinha básica”, garante.
A grande vantagem do lugar, claro, é a possibilidade de ir e voltar de metrô, de ônibus (ali ao lado está o terminal Praça da Bandeira) e a oferta de diferentes níveis de escalada, tanto boulder (quando o praticante escala os “calombos” da parede buscando pontos de apoio para as pontas dos pés e os dedos das mãos) quanto toprope (quando a subida tem apoio de cordas presas no alto).
“Não há muitas opções para treino gratuitas na cidade”, explica Batata, que já praticou o esporte na Pedra do Francês, interditada pela prefeitura, e em pedreiras das franjas da cidade. “Mas é muito legal termos um lugar onde dá para dizer a qualquer momento ‘vamos dar um pulo ali’ e praticar, sem complicação, um encontro com amigos”, acrescenta.
Se para muita gente a região central é sinônimo de medo de assaltos e hordas de dependentes químicos vagando pela vizinhança, Batata garante que o grupo nunca encontrou problemas. “Às vezes chegam alguns sem-teto, ficam olhando, curiosos, mas nunca aconteceu nada com nenhum de nós, a conversa sempre foi de boa”, diz. Moradores dos prédios vizinhos também mostram curiosidade, mas ele assegura que a abordagem também sempre foi amigável. E, quanto ao nome debochado lá de cima, é o próprio Batata que admite que o nome de Mictório Escalada Urbana nasceu porque, “né, de vez em quando rola aquele cheiro inconfundível”. Afinal, não há banheiros públicos disponíveis para a população de rua, como todos sabemos muito bem.
“Mesmo assim, gosto muito do lugar, ainda mais por ser um ponto histórico da cidade, ali ao lado do largo da Memória”, conta o escalador, encarnando o guia. Criado no final do período colonial, o largo tem como ponto central o mais antigo monumento da cidade de São Paulo, o obelisco do Piques, de 1814, que sinalizava o ponto de entrada e saída da cidade aos tropeiros que levavam e traziam mercadorias, oferecendo uma bica de água para os animais. Outrora chamado de largo dos Piques, reza a lenda que devido às ladeiras íngremes do acesso à cidade, não deixa de ser um ponto icônico para quem não tem medo de pirambeiras, né não?